domingo, 3 de março de 2013

Carijo: Um olhar diferente para a Erva Mate...

Foto e texto: Fátima Marizete Fernandes
Vídeo: Coletivo Catarse (Imagens: Gustavo Türck e Tiago Rodrigues / Edição: Têmis Nicolaidis)


Emocionante é a viagem que fazemos para dentro de nós mesmos quando vivenciamos a nossa cultura. Nos dias 17, 18 e 19 de janeiro tive a oportunidade de participar de uma das experiências mais interessantes da minha vida: Uma ’’CARIJADA’’ em São Miguel das Missões. Nesses dias acompanhei os integrantes da comunidade Quilombola Correa, do interior do nosso município, que foram convidados pelo Coletivo Catarse a participar da gravação de um documentário sobre o Carijo. Para isso reuniram-se indígenas da reserva de São Miguel das Missões, os giruaenses José Correa, Marilene B. de Lima e Giovani Correa de Oliveira, estudantes da UFRGS, pesquisadores, produtores e a comunidade em geral.

Carijada é a produção de forma artesanal e rudimentar da erva mate no carijo, que é uma espécie de girau em forma de grade, feito de madeira descascada com amarrações de cipó. Em cima dessa grade colocam-se os fardos das folhas de erva para secar com o calor do fogo que é ateado embaixo.


Várias etapas de filmagens e entrevistas em diferentes cidades como Panambi, Porto Alegre, Giruá, Santo Cristo, Palmeira das Missões, Três Passos e por último em São Miguel das Missões fizeram parte deste documentário;

Em Giruá as filmagens foram na comunidade Quilombola Corrêa, onde o Sr. José Correa conhecido carinhosamente como ‘’Tigre’’, juntamente com sua família, contou aos pesquisadores produtores, todos os detalhes do passo a passo da fabricação desta erva mate tão especial, que nos conquista com seu sabor diferenciado e exótico de defumado, ocasionado devido a maneira pela qual é feita a secagem das folhas. Tomar um chimarrão de erva de carijo nos remete ao aconchego das nossas origens, nos faz lembrar da infância, imaginar toda relação do trabalho com a cultura  dos nossos antepassados e é impossível permanecer indiferente a esse aroma. 

Em São Miguel foram realizadas todas as etapas da produção da erva mate, desde a construção do carijo, o corte da erva, o sapeco, a montagem dos fardos (chamado de macaco), a secagem, o cancheio e o soque no pilão.


« Na foto um macaco sendo amarrado.


O sapeco da erva é feito passando os galhos na labareda onde o calor é intenso e achei essa a parte mais sofrida do processo, o rosto que é a parte mais desprotegida, logo começa a arder.


Depois do sapeco a erva é desgalhada, e me contou a Marilene que os galhos que sobram, secos de folhas, são chamados de ‘’cambitos’’. As sementes também foram retiradas manualmente para a erva não ficar muito amarga. 


O ponto alto foi a Ronda. Durante toda a noite o fogo embaixo do carijo foi mantido aceso, e a ronda era para cuidar que esse fogo não fosse forte demais e também não apagasse. Esse momento foi o mais interessante, porque retratou a essência do povo gaúcho. Enquanto com toda poética o fogo ardia no chão e a cuia ia aquecendo trago a trago toda magia do momento, passando de mão em mão, de causo em causo, a música ia dando o ritmo dos acontecimentos. Em alguns momentos animava para a dança, em outros convidava a cantar junto, e muitas vezes fazia o pensamento voar bem longe, imaginando ao ritmo do tambor, da gaita e do violão, histórias cantadas narrando o dia a dia desses povos. Indescritível a emoção causada pelo som do tambor de sopapo que ressoava fundo na alma, fazendo o coração bater a cada batucada parecendo saltar do peito. A pinga, companheira inseparável do gaúcho para aquecer o corpo da friagem da noite, nesta ocasião teve a companhia do sabor giruaense do butiá, numa mistura que tornou o momento mais caloroso, descontraído e missioneiro.


Outro momento muito incomum para nós, foi quando os índios guaranis retiraram de um tronco de coqueiro morto, dezenas de larvas vivas. A retirada das larvas foi muito impressionante, primeiro os indígenas escutaram colocando o ouvido no tronco para ouvir se tinha alguma larva, pois elas fazem barulho, depois abriram com o machado e quase todos os presentes, cerca de 20 pessoas pegaram as larvas nas mãos para fotografar. Posteriormente foram mortas, salgadas, cozidas e saboreadas por eles e por nós! Isso mesmo, até eu experimentei a iguaria e garanto que não é nada ruim. Só não penso em repetir a experiência (risos). 


O Projeto Carijo é uma realização do Coletivo Catarse, que é formado por comunicadores comprometidos com a construção de alternativas que fortalecem a cultura e o jornalismo independente. O Projeto Carijo (www.carijoofilme.blogspot.com.br) foi aprovado no edital de Patrimônio Cultural Imaterial pelo IPHAN. A partir das entrevistas e filmagens será produzindo um filme documentário, uma cartilha de como montar um Carijo e a edição de um livro sobre a temática, de autoria do biólogo Moisés da Luz, coordenador técnico e pesquisador do projeto, com a previsão de lançamento para outubro de 2013. Outros projetos já foram realizados pelo Catarse, como ‘O Grande Tambor’, que é um Resgate Histórico da Cultura Negra no Extremo Sul do Brasil e conta a história e trajetória do Tambor de Sopapo, e pode ser acessado pelo endereço eletrônico http://coletivocatarse.com.br/home/?p=1944.


Depois desses três dias de muito conhecimento, encantadoras descobertas e o maravilhoso encontro com as nossas raízes culturais, esperamos por uma carijada em Giruá, como forma de valorizar o conhecimento dos nossos giruaenses da comunidade Quilombola Correa, que muito nos orgulha, e por fim agradecer aos produtores do Catarse, a oportunidade de vivenciar a experiência da carijada, obrigada Jefferson Pinheiro, Gustavo Türck, Tiago Rodrigues, Marcelo Cougo, Têmis Cardoso e a Eliana Chiossi, pelo trabalho dedicado, diferenciado e importante para o resgate e registro da nossa cultura.



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